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Conceituando a Magia

Trato da magia do ponto de vista antropológico. Desta forma não iremos abordar a prática mágica sob o crivo da teologia bíblica ou mesmo sob uma plataforma de julgamento moral. Meu desejo é tão somente observar o ato mágico em uma abordagem êmica, a partir da cosmovisão daquele que a pratica.

 

Magia e a negação de um estado evolutivo.

 

A magia, religião e ciência são assuntos tratados muitas vezes de forma conjunta na antropologia pela clara conexão entre seus conceitos e normalmente descritos de forma evolutiva. Ou seja, enquanto a religião seria um estágio evoluído da magia a ciência seria um estágio evoluído da religião. Para alguns a magia é uma solução embrionária para os conflitos da vida por se basear na manipulação de elementos conhecidos ou fabricados pelo homem a fim de gerar efeitos desejados. Malinowsky posiciona seu aparecimento em épocas recuadas da humanidade, propondo assim o conceito de seu desenvolvimento[1]. Desta forma a religião seria um desenvolvimento da magia, ou processo mágico, uma elaboração mais organizada e lógica da procura pelo divino ou do controle da vida. Eliade crê que a religiosidade humana está associada ao desejo de se controlar a vida, busca esta que passa pela magia, religiosidade e ciência. Para estes as respostas outrora buscadas na magia são tratadas na religiosidade e as respostas buscadas na religiosidade possuem propostas de solução científicas[2].

 

Penso ser pouco provável que magia, religião e ciência sejam frutos de um estado evolutivo social. Primeiramente pela constância de suas aparições e experimentações. Culturas mágicas não desenvolvem religiosidade não-mágica. Sociedades científicas não deixaram de forma geral a prática mágica e comumente vemos ciência e magia respondendo a diferentes perguntas em um mesmo agrupamento humano. O processo de desenvolvimento do pensamento, da sociedade moderna que passou da religiosidade para a veneração à ciência, não pode ser atribuído ao estado evolutivo social mas sim à influência filosófica e ambiental. Em segundo lugar pela clara ligação entre o valor utilitário da magia, religião e ciência de acordo com o padrão cultural existente. Todos os três sistemas apresentados são de fato utilitários e se propõe a solucionar os conflitos da vida, com diferentes abordagens. Percebo que em culturas existenciais, cerimoniais, centralizadas no homem e seus conflitos de hoje, há grave incidência de magia, que coloca de certa forma o homem no centro de seu universo. Em culturas espiritualistas e totêmicas em que os seres míticos povoam e governam o universo, a religião tende a ser a resposta proposta para a solução dos problemas. Em culturas humanistas e progressistas a ciência está em ascendência como cadeia de soluções para a vida humana. Parece-me que o padrão cultural, portanto, determina que tipo de resposta se procura ou se desenvolve fazendo com que magia, religião e ciência compartilhem o mesmo cenário de idéias mas não sejam em si, resultado de um estado evolutivo.

 

Conceito de magia

 

O estudo da magia passa pelo desenvolvimento do tema a partir de Tylor que a reportou, mesmo que de forma embrionária, em sua obra “Civilização Primitiva” propondo o conceito da magia simpática, sempre ligada a semelhança entre os objetos manipulados. Frazer e Lehmann desenvolveram o tema defendendo que todos os ritos mágicos são simpáticos, com base na ligação (semelhança) entre o todo e a parte, entre o objeto manipulado e o alvo da magia. Lehmann chama nossa atenção para o fato da magia ser uma atribuição utilitária, ou seja, que possui objetivo específico e técnica também específica. Mauss faz uma diferença entre magia e ato religioso sugerindo que o segundo possui uma estrutura invocatória não condizente com magia.

 

Como podemos, portanto, conceituar magia? Creio que são práticas, coordenadas por um indivíduo ou a partir dele, com manipulação de elementos naturais, não centralizada em invocação espiritual personificada, com base na crença de que tal manipulação, segundo determinada técnica ou coberta por certo poder poderá produzir, assim, o resultado esperado. Apesar da natureza da magia ser simpática, baseada nas semelhanças, na imagem do efeito/objeto a ser produzido, nem todas podem ser rotuladas dentro desta classificação[3]. Para fins aplicáveis estudaremos algumas categorias de magia como branca e negra, imitativa, alegórica e simpática. Devemos, porém, compreender que toda prática mágica advém da crença da existência de uma força que governa a vida, mesmo que parcialmente, e que é manipulável. Assim não nos convém distinguir de forma tão grave a magia do ato de culto como faz Mauss pois pode haver clara correlação entre estas diferentes práticas. Encontraremos cultos com atos mágicos e magia onde há invocação espiritual personalizada, manipulável. Parece-me que magia e culto compartilham da idéia de relação com o sobrenatural, mesmo que por vias distintas.

 

O valor utilitário da magia

 

É preciso termos em mente o valor utilitário da magia pois esta insere o homem no contexto das escolhas universais, ou seja, o torna co-participante das soluções dos problemas da vida. Desta forma, os grupos onde a prática de magia é acentuada e universalizada tendem a serem mais antropocêntricos e desenvolverem toda uma organização social, religiosa e mitológica com base no valor utilitário da crença. Melatti relata este valor utilitário quando nos diz que entre os Craôs “a magia que faz o caçador para matar veado campeiro nos mostra a presença de outros modos de classificar. Aquele que quer matar veado campeiro, só deve comer carne de animais que andam de dia e evitar a daqueles que entram em atividade à noite, pois o campeiro anda durante o dia. Há, pois, uma classificação de animais segundo a etapa do dia em que estão em atividade. O caçador deve também evitar comer carne de animais espantadiços, pois senão o veado se torna igualmente espantadiço. Por conseguinte, percebe-se a existência de uma outra classificação de animais em calmos e espantadiços”[4]. Neste aspecto a magia é um ato organizado, intencional e utilitário.

 

Compreender os conceitos sobre magia torna-se importante para analisarmos os processos mágicos. O conceito de magia deve ser compreendido como uma instituição baseada na crença da força sobrenatural regulada pela tradição de práticas, ritos e cerimônias que se apela para as forças ocultas e se procura alcançar o domínio do homem sobre a natureza. Já o perfil da magia nos mostra que a mesma em geral é impessoal, repetitiva, manipulável e tem implicações sociais sendo também cerimonial. Ela pode ser produzida ou simplesmente possuída ou comprada como um amuleto ou talismã[5].

 

Em 1891 Codrington dissertou sobre o elemento invisível ‘Mana’ e o definiu como sendo “uma força impessoal que está sempre ligada a uma pessoa que dirige esta força”[6]. Mana, portanto, é provavelmente o melhor termo que temos antropologicamente para definir a enorme variedade de forças e poderes manipuláveis pelo homem e expressos através de distintos termos. Os iroqueses o designam de ‘wokonda’, os algonkis de ‘manitu’. Os pigmeus africanos de ‘megbe’ e os bantus de ‘ndoki’. Mana pode ser bom ou ruim, com graus distintos e variados de controle do homem sobre esta força. O ‘mana’ de uma lança, afirma Käser, “é definido pelo fato de ela atingir o alvo com maior freqüência do que outras lanças, ou porque ela mata peixes maiores”[7]. Desta forma podemos concluir que o conceito de ‘mana’ está na raiz do processo antropológico designado como magia, a manipulação de elementos (que são cobertos por ‘força’) impessoais de forma a causarem um efeito extraordinário. Portanto de certa forma a magia centraliza-se no homem e seus desejos o servindo.

 

Os elementos da magia

 

Pensemos sobre os elementos da magia. Alguns elementos claros irão ajudar-nos a identificá-la e analisá-la em sua forma apresentável.

 

O primeiro elemento da magia é o pensamento, ou a crença. No caso a crença da existência e presença de uma força sobrenatural manipulável. Seja ela uma forma impessoal, mecânica, ou mesmo uma força pessoal espiritual que possa ser manipulada através de elementos mecânicos e visíveis. Em culturas animistas a clara percepção de que o mundo natural é animado pelo sobrenatural cria, em si, as condições ideais para a prática mágica. Não devemos, porém, reduzir a prática da magia apenas a ambientes onde haja uma crença organizada do sobrenatural. Muitas vezes a força manipulada é desconhecida, ou pouco explicada, sendo que a concentração do esforço da magia não se dá no sobrenatural mas sim na forma de manipulá-lo através do mundo natural. Entendemos, assim, a natureza humana, manipulável e utilitária da magia.

 

O segundo elemento é o indivíduo. Pode ser nomeado de mágico, feiticeiro, xamã e assim por diante. É, porém, aquele que (com ou sem títulos de reconhecimento desta prática) coordena o ato mágico. Em culturas hierarquizadas facilmente encontraremos pessoas específicas com tal habilidade e responsabilidade. O chamaremos aqui de ‘mágico’. Em culturas, acéfalas, a magia é horizontalizada, praticada por quase todos. Mesmo aqueles que não a praticam, não detém o conhecimento ou habilidade, podem chegar a tal estágio sendo que ela é acessível e não uma especialidade. Eliade e Mauss defendem que a categoria de ‘feiticeiro’, personagem que controla ou propõe o ato mágico, é distinguível, ou seja, não é feiticeiro quem quer. Seriam pessoas com particularidades de parentesco ou definição clânica, ou com habilidades especiais, ou que foram treinadas, ou iniciadas, nesta arte por outros[8]. Em minha observação esta é uma avaliação aplicável apenas a certos padrões culturais, mais hierarquizados. De toda forma, independente da configuração restritiva do coordenador do ato mágico, a ele se confere certas características. Normalmente é uma pessoa reconhecida de possuir tal poder, habilidade ou conhecimento. Também se dedica, entre outras coisas, de forma especial à prática da magia, sendo procurado para tal pela comunidade. Pode ser identificado a partir da idade (o velho) ou de algum defeito físico permanente. Quanto maior o mistério a respeito do indivíduo que pratica a magia maior seu poder de encantamento perante a população. Por vezes pode estar associado a uma função na sociedade. Entre os Ashante[9] de Gana o guardião de cerimônias religiosas da família real é também o responsável pelo ato mágico. Entre os Konkombas os ‘mágicos’ são os que foram iniciados à esta arte, por escolha de outros que já a praticam.

 

O terceiro elemento é a preparação. A magia, e o indivíduo que a pratica, demanda certa preparação específica. A escolha dos objetos, sua separação e preparo, bem como o preparo do próprio indivíduo, normalmente revendo seu conhecimento ou buscando entrar em transe afim de potencializar sua habilidade, ou ainda através de invocações e jejum, são atos normalmente encontrados na prática da magia. Entre os Tariana do Alto Rio Negro a prática de magias de proteção tem início com a preparação dos elementos, de certas pedras, breu e folhas que sao usados a fim de gerar fumaça que possa purificar e proteger as pessoas que passem por esta cerimônia. Pensando no perfil simpático (com base na semelhança) da magia é normal que os elementos separados, ou coletados, sejam próximos, semelhantes, parecidos, com aquele que é alvo da magia. O uso da fumaça está associada à purificação e proteção em atos mágicos, em diversas culturas, devido à sua forma fluida, disforme, semelhante ao espírito. Assim quando o Tariana a utiliza para benzer, proteger ou curar, uma certa criança que há muito está doente, a associação da fumaça com a vida, com seu espírito, é clara. Outros elementos também podem estar associados à força da vida e serem usados com este fim devido à sua semelhança. A água, terra, ar, fogo, fumaça, sopro, raiz e casca de árvores são os elementos mais comuns associados à força da vida. Estes são, portanto, elementos universais. Há também os elementos particulares. Neste caso a magia se dá através de representações que demandam algo que se pareça com o alvo mágico, de forma objetiva. Entre os Ewe de Gana uma mecha de cabelo é o elemento primordial para o preparo da magia, seja ela branca ou negra. Entre os Konkombas unhas e a água do rio onde alguém de banhou[10]. Entre os Yanomami o rastro de alguém que por ali passou. Entre os Aborígines, as marcas da mão na terra, que são coletadas (a terra) e separadas para o ato mágico. Tais elementos passam por um ‘preparo’ que os espiritualiza. Passam a representar seus alvos (pessoas, famílias, comunidades, iniciativas como uma caçada, projetos sociais e assim por diante) e o ‘trato’ que lhes for dado resultará (causando assim efeito) no alvo[11]. O preparo, porém, não se restringe aos elementos coletados ou ao indivíduo que os manipulará. Pode também abranger o local onde se desenvolverá o rito mágico, preparando-o de forma específica, e à própria pessoa que encomendou a magia ou comunidade que dela se beneficiará.

 

O quarto elemento é o rito mágico. Este rito possui, em geral, uma forma estática de desenvolvimento. Possui uma ordem, um ‘trato’ específico nos elementos manipulados que não mudam. Se há atos de invocação estes também são sempre os mesmos. Desta forma os elementos de invocação como a música, instrumentos musicais, cânticos, dança, roupa e ornamentos, os elementos de processo como pedras, raízes, folhas e os elementos simpáticos como mechas de cabelo, unhas, roupas, água do banho etc., seguem um padrão preconcebido de coleta, preparo e rito.   O rito mágico possui normalmente uma forma elaborada de se processar. Quando os Konkombas manipulam a água do rio onde uma pessoa se banhou a fim de causar-lhe mal, isto se dá em um ambiente preparado para esta finalidade, debaixo de uma árvore de Itooh de folhas frondosas, durante noite clara com boa lua, em lugar distante da comunidade onde os atos invocatórios não são ouvidos e o nome da pessoa alvo da magia é repetido diversas vezes de forma genérica (nome do seu clã), nunca da pessoa em particular. Portanto é claro apenas para poucas pessoas quem está sendo alvo daquela prática mágica. A água do rio, neste caso, é colocada dentro de uma cabaça e neste momento, após atos invocatórios e ‘arrumação’ dos elementos manipuláveis (água, cabaça, árvore frondosa, palavras, nomes etc) a mistura de terra com a água (que representa a força da vida) produziria obstáculo sobre sua vida, tornando aquela pessoa ‘pesada’, com movimentos curtos e mais lentos visto ser a terra mais pesada que a água. A mistura de sangue com a água produziria cortes, arranhões, infecções e até mesmo hemorragias. As vezes associado também a quedas e fraturas. A mistura de saliva com á água produziria relacionamentos partidos, enfermidades internas ou muito comumente incesto sendo que a saliva é a parte impura do corpo, que deve ser colocada para fora e não para dentro[12].

 

Estes elementos, e seus resultados, porém, podem conter ainda significados claros de associação (terra, sangue, saliva) ou simplesmente estarem cobertos pela tradição da prática mágica. Neste segundo caso são utilizados e cridos porém a associação original dada pelos pais já foi perdida. De toda forma é certo pensar que boa parte dos atos mágicos possuem, em sua origem, uma forma simpática (de associação e semelhança) com o alvo da magia. Em todo ato mágico, aberto ou fechado, seus participantes poderão apontar, portanto, os resultados esperados.

 

As categorias da magia

 

Podemos categorizar a magia como branca, negra, simpática, alegórica e imitativa.

 

Branca, que produz ou colabora com a cura, proteção e prosperidade. A magia branca é uma prática que visa o benefício, sobretudo, do manipulador dos elementos, ou alguém a quem serve momentaneamente, de forma objetiva. Está normalmente associada a uma magia voluntária, solicitada pelo que a necessita. Os processos de magia branca comunitários através de benzimento são sempre abertos e coletivos. Possui também uma característica abrangente não apenas atuando no problema em si mas em suas áreas de abrangência. Quando os Tariana, por exemplo, realizam o ato mágico de benzimento buscando proteção e cura para a comunidade, estes permitem que a fumaça também seja ventilada para o rio mais próximo para purificação do ambiente, demonstrando a não percepção exata da causa dos males. Não raramente, após o benzimento que objetiva a cura ou proteção, comenta-se que o rio também lhes deu mais peixes mostrando um fator importante no processo da magia em grupos animistas: a conexão entre os elementos da vida. Ao passo que uma cultura ocidental urbanizada vê os atos da vida, seus conflitos e soluções com um arquivo, com pastas separadas e catalogadas, um grupo animista os vê como um cesto, um aturá, cujas fibras se entrelaçam sem que se saiba exatamente onde começam ou terminam.

 

Marcelo Carvalho nos diz que para os Hupdah o lugar mais protegido contra todas as forças espirituais é a casa e, em seguida, a comundade. As roças e rios não são seguros. Há benzimentos para purificação e proteção da casa bem como de toda a comunidade renovando a segurança do ambiente.

 

Como magia branca simples e doméstica podemos também exemplificar os Quéchuas que organizam ossos de lhama atrás das portas de suas casas, em ordem e tamanho específicos, a fim de proporcionar abundância naquele lar. Há necessidade de conhecimento específico dos elementos e sua manipulação; conhecimento este passado dos velhos para os novos. Neste caso é uma magia aberta, comunitária, visto que todos podem observá-la, aprendê-la e praticá-la.

 

Negra, temida por trazer destruição e morte. Pode ser praticada pelo homem mágico ou feiticeiro, ou pela categoria rara de bruxo. Normalmente a magia negra é mais especializada e restritiva, sendo que apenas alguns podem aprendê-la ou realizá-la. Em alguns casos pode ser herdada. É aprendida a partir de uma iniciativa pontual, iniciando-se o jovem à arte de tal magia pelo velho, que já a pratica. O bruxo, antropologicamente, usaremos aqui para designar a figura reclusa de um homem, ou mulher, que se aperfeiçoa na arte de dominar, matar ou destruir a partir de atos mágicos ou invocatórios, portanto não se resume apenas à prática mágica. É recorrente a crença de que há uma ligação entre a prática de magia negra e o desenvolvimento de problemas físicos naqueles que a praticam. Entre os Hupdah do Alto Rio Negro o pajé crê se transformar em onça para atacar espritualmente e comer o coração do inimigo, matando-o. Marcelo Carvalho explica que o diagnóstico para estas mortes súbitas é o Hãwäg sú – agarra coração.

 

Entre os Konkombas de Gana a magia negra é praticada pelo feiticeiro que acumula a função de guardião dos fetiches. A proximidade com os fetiches homologa seu conhecimento, que é empírico e não herdado ou aprendido. A utilização do sangue derramado de forma específica dentro de uma cabaça, em proporcional mistura com água e terra (onde está a força da vida na fase infantil enquanto a água a concentra na fase adulta) é necessário para a prática desta magia que pode causar enfermidade, desolação, morte ou desencanto com a vida. O sangue, assim, seria um elemento isolado e específico para a magia negra, não sendo utilizado para finalidades de cura e proteção. O perfil simpático, semelhante, da magia também é encontrado na magia negra. Uma mecha de cabelo, portanto, que pode ser manipulada com a intenção de produzir prosperidade na pessoa alvo que encomenda a magia pode ser igualmente utilizada para a manipulação de elementos (com outras variações) a fim de causar enfermidade ou morte em seu dono. Por este motivo freqüentemente encontramos, em agrupamentos animistas, um cuidado zeloso na proteção de partes do corpo que podem ser mais facilmente coletadas como cabelo e unhas. São muitas vezes guardados cuidadosamente e depois descartados em lugares distantes.

 

Imitativa, referente a amor e ódio e um exemplo clássico é o wodu que imita o objeto alvo sendo porém bem mais extensa do que percebemos na forma como se tornou mais conhecida. No Haiti a magia imitativa é popularizada através de bonecos feitos e manipulados, com forma das pessoas que desejam atingir. No caso do vodu seria necessário que houvesse algum elemento pertencente a esta pessoa, em um ambiente propício para o ato mágico. E se crê que, havendo semelhança suficiente entre o boneco e a pessoa, dentro de uma manipulação preconcebida e aprendida, os atos realizados com o boneco (manipulação) se refletirão na pessoa que o boneco representa. Uma das suas variáveis seria a imitação de roças, casas, ambientes naturais etc. Como o roubo de um elemento representador (arroz, da roça que deseja atingir, por exemplo) levando-o para casa ou para um local específico e manipulando-o. Neste caso poderia ser queimado a fim de se obter a queima daquela roça e perda da produção.

 

Simpática que trata da fertilidade, proteção e paixão. De forma geral pressupõe-se que toda magia é simpática, porém utilizamos aqui o termo para designar as iniciativas mágicas usadas para procriação, proteção e paixão, como a branca e imitativa mas com a característica de serem atos abertos e não velados, disponível para compra ou prática, de forma simples e comunitária. Está associada a tabus e talismãs e se propõe a controlar o acaso e não produzir um fim específico. No Brasil poderíamos classificar como magia simpática a utilização de branco como roupa de ano novo produzindo felicidade e fartura, o uso de fitas do senhor do Bonfim nos pulsos para proteção. São chamadas popularmente de simpatias.

 

Alegórica, produtoras de ganhos e perdas, com elementos específicos que em determinadas situações podem produzir ganhos e, em sua ausência, prejuízos, como a água benta vendida em algumas igrejas. Assemelha-se à imitativa e a mais forte diferença seria a crença. Enquanto a primeira está mais associada ao acaso, a forças indefinidas, a segunda está associada a forças pessoais definidas como invocações, profecias e visões. Entre os Aborígines da Austrália o sonho manifesta elementos que podem ser utilizados na magia. Neste caso a magia não é um ato produzido mas sim um acontecimento, resultado do poder e desejo do divino para um indivíduo que sonha o sagrado. Desta forma o sonho é em si um processo mágico, com efeito sobrenatural, com participação, mesmo que inconsciente, do praticante ou sonhador. O relato de que o sonho alegoriza a vida, e os acontecimentos do sonho se revelariam na vida cotidiana traz esta porção alegórica à magia encontrada também em diversas outras sociedades.

 

Por fim gostaria de mencionar a conexão entre os elementos e formas de prática mágica. Os problemas estão relacionados com as soluções. Os ambientes com os indivíduos que praticam a magia. Os objetos utilizados na magia se relacionam com os que a encomendam ou são alvos da mesma. A forma de praticá-la se relaciona com o resultado a ser produzido. A técnica com a pessoa que manipula os elementos e assim por diante.

 

Isto demonstra que, primeiramente, a magia é um ato social central nas culturas que a praticam de forma abrangente. Assim torna-se relevante, especialmente para o pesquisador, observar a prática mágica como sendo uma pista para o centro da religiosidade do povo. Em segundo lugar por sua abrangente prática em contexto animista. Isto se explica pelo fato do animismo já produzir, em si, a plataforma de idéia do sobrenatural sobre o natural, propício à magia. Magias também estão presentes em atos invocatórios coletivos e organizados, cúlticos, como pajelanças, e assim não devemos reduzi-la apenas a ambientes de forças puramente mecânicas, impessoais. Em terceiro lugar por sua característica utilitária. Como se propõe a organizar a vida, e solucionar possíveis problemas, a magia é um ato religioso e social regulador. Este talvez seja o principal motivo que a faça tão popularizada, temida e utilizada.

[1] Ver Malinowksy – Magia, ciência e religião. Lisboa: Edições 70, 1988.

[2] Eliade, Mircea. Rites and Symbols of Initiation, New York: Harper and Row, 1958.

[3] Ver Radcliffe-Brown, A. R. Structure and Function in Primitive Society, London: Cohen andWest, 1952.

[4] Julio Melatti – Publicado em 1975 no Informativo FUNAI, ano IV, n° 14, pp. 13-20.

[5] A diferença normalmente aceita entre amuleto e talismã é que o primeiro serve para afastar desgraças enquanto o segundo atrai a sorte.

[6] Codrington, R. H. The Melanesians. Studies in their anthropology

[7] Käser, Lothar. Diferentes culturas – Uma introdução à etnologia. Londrina: Descoberta, 2004.

[8] Eliade, Mircea. Imagens e símbolos – Ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[9] Ver Evans-Pritchard, E. E. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

[10] Ver o artigo Religous Phenomenology among the Konkomba People of Ghana – Ronaldo Lidório

[11] Ver Esboço de uma teoria geral da magia, de Marcel Mauss, Edições 70.

[12] Cultural identity and religious phenomenology – The impact of the gospel in a Konkomba worldview. Dissertação em Etnologia – 2001. Ronaldo Lidório

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