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Chomsky, Levy-Strauss e Mauss

O pensamento socio-filosófico e a necessidade de Deus

A filosofia antropológica é uma das minhas áreas de interesse, sobretudo as teorias que giram em torno das formas normativas para agrupamentos sociais. Nos últimos tempos tenho lido pensadores contemporâneos que, em algum instante de suas conclusões teóricas, propuseram a não existência de Deus. Já estudava Chomsky há algum tempo e recentemente interessei-me por outras mentes brilhantes que igualmente iniciaram suas carreiras acadêmicas tentando dispensar teoricamente a existência do Eterno na formulação social humana. Minha pequena pesquisa pessoal tinha como alvo avaliar as conclusões finais em seus estudos já que todo pensador possui valores ainda inconclusivos ao longo da pesquisa. Como interessado na antropologia sinto-me atraído pelo que podemos chamar de ‘acuo filosófico’. Um momento dialético em que o pensador (ou uma sociedade pensante) conclui, mesmo com amargura e não raramente revolta acadêmica, a necessidade do Eterno sem o qual a humanidade torna-se empírica e filosoficamente inviável. Reconheço como leitor da Palavra que não há aí nenhuma luz que os conduza a Deus. Somente a Graça o faz. Entretanto há certamente uma escuridão que faz compreender o vácuo existencial sem a concepção de Deus.

Lendo o pensamento científico destes pensadores torna-se quase facilmente perceptível a sua divisão conclusiva em dois grupos. Aqueles que se frustram existencialmente e inconcluem suas teorias como Nietzche com seu niilismo onde se torna “negador de Deus” (1) e posteriormente (como seria diferente?) negador da vida sendo claramente influenciado pelo trauma da morte do pai, ministro luterano, já por algum tempo enlouquecido, quando ainda era criança. Ou por Kafka em seu ceticismo disfuncional onde jamais chegou a conceber sentido para a vida e vendo o mundo como “uma sociedade esquelética sem qualquer fim” (2) e sem conseguir detectar ‘a fonte da formulação deste cenário socio humano que chamamos de vida’ (3) que aparentemente era seu alvo inicial. Seguem-se a estes, outros como Derrida, Freud, atualmente Goleman e quase todos à sombra de Darwin sem mencionar Kant com seu racionalismo irônico onde diz ter “destruído Deus para depois o reinventar, apenas em benefício da necessidade teísta de Lampe, seu criado”. (4)

O segundo grupo é formado por aqueles que, ao fim, conseguem achar humildade de espírito suficiente para concluir que, mesmo não defendendo cientificamente a existência de Deus, a vida (especialmente a humana) não poderia ser concebida sem a presença interventora do Eterno. Rendem-se, não à adoração a Deus, mas à sua necessidade, para eles próprios existirem. Dentre eles encontramos Levy-Strauss, Chomsky, Mauss e o próprio Kant, em seus arroubos de iluminação.

Gostaria inicialmente de destacar Noam Chomsky, um dos mais respeitados lingüistas do século XX, conhecido por sua busca axiomática das estruturas de comunicação e influente no mundo acadêmico e filosófico. Judeu, filho de um estudioso da língua Hebraica, tentou ele explicar racional e empiricamente as raízes de comunicação socio-humana quando, desenvolvendo seus principais estudos em Harvard foi tomado pela síntese teórica, óbvia ao seu ver, da ‘cognição inata’. Em poucas palavras trata-se da compreensão de que a comunicação socio-cultural foi desenvolvida antes dos agrupamentos sociais. Ou seja, toda a estrutura de comunicação humana, verbal ou semiótica, foi criada antes do ser humano se agrupar. Ele afirma que ‘a liberdade lingüística e a criatividade não são adquiridas, mas sempre existiram de forma apriorística” (5) e finalmente sucumbe reconhecendo que usuários de linguagem jamais poderiam compreender novas estruturas gramaticais sem jamais as ter encontrado na prática, o que torna a linguagem inata, e primeira, antes da dispersão social. Chomsky concluiu a necessidade do Eterno para que a humanidade pudesse se comunicar.

Chomsky trata também em outros estudos da aquisição da linguagem e a sua competência pressupondo a criatividade como sendo algo nascido do “estímulo/resposta” (6). Entretanto mais uma vez conclui que a linguagem, por sua estrutura socio-comunicativa, não poderia ter sido assimilada. Antes precisaria ter sido criada pré-homem. Afirma que ‘a linguagem não possui, como muitos imaginavam, um status autônomo, ….. mas sim a expressão do sujeito psicológico’ (7). Segundo o lingüista Saussure (8) ‘primeiro surgiu a parole (fala), depois a langue (estrutura gramatical)’. Garnins reconhece que ‘a fala surgiu com o primeiro homem, portanto não evoluiu com as escalas pré-humanas, e indica o dedo de Alguém que, antes do homos, já se comunicava’ (9). Mais uma vez não podemos entender aqui qualquer apologia teológica mas ver tão somente pensadores e filósofos reconhecendo a necessidade de Deus. Um acuo filosófico.

Claude Levy-Strauss é um dos mais renomados, e citados, antropólogos em nossos dias. Filho de pais artistas, intuitivo e acadêmico, completou sua agregation em filosofia na Sorbonne nos anos 30 e até mesmo teve uma rápida passagem por São Paulo como professor de antropologia. Sua obra clássica (As Estruturas Elementares do Parentesco) possui clara e forte influência de Mauss (que alías chegou próximo das suas conclusões chamadas ‘místicas’). Em sua tese inicial Levi-Strauss estuda o agrupamento humano em uma perspectiva evolutiva e assim esperava-se encontrar ao longo das pesquisas etnológicas uma paralela evolução dos valores humanos. Entretanto, para surpresa do racionalismo e existencialismo reinantes na época, Levy-Strauss analisa os agrupamentos humanos históricos e presentes sob a ótica de uma pesquisa empírica e conclui que os valores sócios culturais sem sombra de dúvidas eram pré-estabelecidos. Em outras palavras, o valor moral existiu antes dos agrupamentos humanos se dispersarem para a formação de grupos maiores. Utilizando o estudo antropológico de alguns axiomas gerais como o incesto ele concluiu que tais valores existiam antes da formação da sociedade alvo. Se o homem ainda não havia tido ‘história’ suficiente para, ele mesmo, desenvolver seu padrão moral e transmiti-lo a grupos posteriores, qual a raiz do padrão moral ? Não há resposta fora da pessoa de Deus. Levy-Strauss menciona que ‘…o princípio da vida não pode ser unicamente explicado por uma versão do funcionalismo (vive-se para um fim) nem tampouco empiricamente por fatos condenados a falares por si mesmos… De fato, sistemas de parentesco mantêm a natureza em xeque pois o incesto, a priori, não é um fenômeno natural, evolutivo, mas sim axiomático, pré-existente’ (10).

Curiosamente passei a ler um pouco mais de Mauss, que fortemente influenciou Levy-Strauss. Apesar de não possuir conclusões tão expressivas ele expõe exaustivamente o conceito de ‘mana’. ‘Mana’ para Mauss é uma inexplicável sobrenaturalidade sem a qual as sociedades tornar-se-iam inviáveis. A conclusão nesta fase inicial de Mauss foi a de unicidade. A humanidade é uma pois vivemos sob a sombra de um só ‘mana’. Chegou a esta conclusão após o estudo exaustivo etnográfico de três grupos, os Potlatch na América, os Kula no Pacífico e os Hau da Nova Zelândia. Afirmou, ao fim, que ‘passo a crer em meios necessariamente biológicos de se entrar em comunicação com Deus’ (11). Não pensemos entretanto que ‘comunicação com Deus’ provém de uma concepção teológico/revelacional. Ele jamais chegou perto disto. Entretanto reconhece que sem ‘mana’, a existência autônoma do Eterno interventor, a sociedade como existe hoje seria inconcebível pois ‘todos os grupos culturalmente definidos concordam, buscam e reconhecem submissão do invisível sobre a natureza humana’ (12). Mais uma vez enfatizo que não há apologia teológica mas sim reconhecimento da necessidade de conceber Deus, sem o qual invibializaria a própria transmissão cultural.

Temos aqui, portanto, uma tríade de conclusões filosóficas as quais, distintas e teóricas, desembocam na expectativa por Deus. Chomsky reconhece a necessidade de Deus para justificar a existência da comunicação pré-social e pré-evolutiva. Levy-Strauss o faz para conseguir explicar a existência de um padrão moral na raiz dos agrupamentos sociais e Mauss torna-se quase obcecado pelo ‘existente espiritual ‘ que chama de ‘mana’ sem o qual a transmissão de cultura se tornaria inviável.

Como temos a Revelação Bíblica, que expõe um Deus existente e redentor a busca do homem. não precisamos de conclusões filosóficas para fundamentar nossa fé. Entretanto faz bem à alma perceber que, mesmo na escuridão anti-teísta, homens, imagem de Deus, não conseguem parar de buscar no Eterno o Ser iniciador e mantenedor social. E isto me faz pensar que, no vácuo existencial do pecado, sob a escuridão da incredulidade e ante as hostes do inferno, a existência de Deus é a único alento perante o desespero de um homem a procura do sentido da vida, qualquer vida. Não há vida sem Deus.

Notas
(1) Human All Too Human, Cambridge Univ. Press 1986
(2) The Diaries of Franz Kafka, Peregrine 1964
(3) Literature and Evil, G. Bataille, 1973
(4) Crítica da Razão Prática – Grandes Filósofos, Ed. Globo 1952
(5) Do Estruturalismo à pós modernidade, John Lechte, Difel 1994
(6) Chomsky: Selected Readings, J. Allen, Oxford University Press. 1971
(7) Language and Problems of Knowledge, Cambridge, MIT Press 1988
(8) Ferdinand de Saussure, chamado de “pai da lingüística e do estruturalismo” nos círculos de Genebra no início do sec XX
(9) Signs and System, Holdcroft, Cambridge Univ Press 1991
(10) The Bearer of Ashes, D. Pace, Boston 1983
(11) As técnicas do corpo, Marcell Mauss, Editora da Univ de São Paulo 1974. Na verdade Ele aqui se referia a Pascal quando afirmou instruiu: “Ajoelhe-se, mova os lábios em oração e você acreditará em Deus”.
(12) Do Estruturalismo à pós modernidade, John Lechte, Difel 1994′

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