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Estratégias e Plantio de Igrejas no Campo Missionário

Iniciaremos este seminário partindo de um pressuposto coletivo: todos cremos que, em obediência ao Senhor Jesus, devemos espalhar o Evangelho de Cristo entre todos os povos da terra até que o Senhor venha.

Se cremos assim gostaria de lhes propor que o Plantio de Igrejas é a forma mais eficiente, auto-sustentável e duradoura de comunicar o evangelho dentro de um perímetro local, seja um bairro, seja uma etnia culturalmente definida pois:

a) Gera demanda pela comunicação de um evangelho culturalmente compreensível;
b) Estabelece localmente o reino;
c) Duplica o efeito missionário. Igrejas plantam igrejas.
‘, ‘Atos 1: 1-8
Observando o texto

Este texto confronta-nos com o princípio da prioridade. Na obra de expansão do Reino entre as gerações até aos confins da terra lidamos com uma tarefa multifacial mas é necesário sermos relembrados da prioridade no ensino missiológico de Cristo.

‘Chronos’ é o termo utilizado para ‘tempo’ no versículo 6 para a pergunta dos discípulos a Jesus: “… lhe perguntavam: Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel ?” A pergunta era absolutamente escatológica pois ‘Chronos’ refere-se ao tempo humano, linear. Era uma pergunta sobre a agenda dos últimos dias. O que estes discípulos, de forma unânime, perguntavam era qual seria o dia, mês e ano da restauração do Reino a Israel.

A forma como esta pergunta foi elaborada mostra a distorção doutrinária daquilo que foi o centro dos ensinos de Jesus no último ano de seu ministério: o Reino de Deus. Quando eles perguntam: :”será este” – ‘touto’ – indica que eles esperavam uma restauração imediata com objetivo definido, um rompante de Deus intervindo no mundo da forma como existia na época; “que restauras” – ‘apokathistaneis’ – aponta para uma reconstrução nacional política e o complemento ‘a Israel’ dá um tom político/territorial, a independência de Israel.

Voltando à pergunta inicial: “será este o tempo” do versículo 6 entendemos que o texto poderia optar entre duas possibilidades mais comuns para compilar a resposta de Jesus no versículo seguinte quando o Mestre enfatiza que “não vos compete conhecer tempos ou épocas”. Para a expressão ‘tempos ou épocas’ o texto poderia utilizar a mesma expressão encontrada no versículo 6: “Chronos”. Desta forma Ele estaria dizendo que não era da competência dos discípulos conhecer o ‘tempo humano’ – dia, mês e ano – em que o Reino seria restaurado. Assim Jesus condicionaria o assunto escatológico a um plano humanamente inteligível.

Outra opção textual seria a utilização do termo ‘Kairos’ para ‘tempos ou épocas’ na resposta de Cristo e assim estaria falando que ‘não vos compete conhecer o tempo de Deus’ pois ‘Kairos’ é o termo no Koinê largamente utilizado para ‘tempo divino’: o tempo que regia o Olimpo, “os fatos e acontecimentos que assinalavam um momento certo ou errado de algo acontecer” nas palavras de Tertúlio Conico. Desta forma Jesus estaria dizendo que não era da competência dos discípulos conhecer o ‘tempo de Deus’, o momento apropriado na economia do Pai para que o Reino chegasse.

Para nossa surpresa textual a expressão ‘tempos ou épocas’ no versículo 7 utiliza ambos os conceitos: ‘chronous kai kairous’ – o tempo humano e o tempo divino e com isto o texto afirmava que a prioridade de Jesus não era escatológica: os últimos dias, os eventos finais, a consumação dos séculos; mas sim missiológica quando o versículo 8 inicia com a expressão ‘mas recebereis…” Ou seja, em contraposição ao que foi falado anteriormente, o cerne do ensino é: “… recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo e sereis minhas testemunhas”. Com estas palavras Jesus escolhia enfatizar o seu ensino sobre o Reino de Deus: Ele criara uma Igreja para espalhar a Sua Palavra a todos os povos, em todas as gerações, até que o Senhor venha.

“Aqueles que nada ouviram” são a prioridade de Deus em relação à evangelização mundial. Isto pode ser perto ou pode ser longe.

1. A centralidade do Evangelho: A necessidade de haver abundante evangelização

Em um processo bíblico de plantio de igrejas é necessário sermos lembrados que a centralidade da Palavra define a fidelidade da Missão. Ou seja, não optaremos por mecanismos que simplesmente culminem em resultados atrativos mas sim por mecanismos fundamentados na Palavra e na visão de Deus.

É preciso aqui crer que a Palavra, o Evangelho de Deus, lançada na terra irá germinar.

Com este pressuposto a quantidade e constância da evangelização torna-se a ação fundamental em um processo de plantio de igrejas.Em um campo missionário, seja culturalmente distinto ou geograficamente próximo, a abundância na evangelização deve ser uma prática constante. Alguns campos não frutificam porque investem mais tempo na estruturação missionária e menos na atuação missionária e este é um perigo que permeia desde as nossas igrejas locais até nossos campos mais distantes.

Estive estudando, durante um trabalho de consultoria missionária, alguns campos no oeste africano (Gana, Costa do Marfim, Nigéria) e na América do Sul (Norte do Brasil, Peru e Colômbia) onde diferentes processos de plantio de igrejas estavam em andamento. Dividi os campos missionários em duas categorias:
a) Nível de estruturação: (observando a presença de postos missionários bem estabelecidos, boa mobilidade com transporte próprio, sistema de comunicação funcional entre as equipes missionárias e supervisão cultural e linguística);
b) Nível de evangelização: (observando a presença de iniciativas evangelizadoras pessoais, múltiplas tentativas de comunicação do evangelho, uso da literatura, filmes, comunicação pessoal para a evangelização etc)

As conclusões já eram esperadas: igrejas nasciam em maior quantidade e maturidade nos campos onde havia abundante evangelização mesmo em detrimento de baixa estrutura.
De forma geral, de cada 10 iniciativas de evangelização, não mais que 2 terminavam com bom êxito portanto apenas os campos com abundate evangelização foram visivelmente frutíferos.

Se desejamos plantar igrejas, a macro estrutura para subsistência missionária como transporte, mobilidade, comunicação, moradia e capacitação será de grande cooperação para o processo final. Entretanto o fator determinante será a presença de abundante evangelização.

David Brainerd na evangelização dos indígenas na América do norte registra, para sua surpresa, o maior resultado evangelístico em sua reunião com menor estrutura missionária quando, na ausência do seu intérprete que adoecera, ficou em seu lugar um índio bêbado com pouca fluência no inglês que mal conseguia ficar sentado se cair. Em seu diário, após impactante experiência com os efeitos da evangelização mesmo na ausência de uma estrutura missionária própria, escreveu: “a mensagem vai além do mensageiro”.

2. O desafio do Evangelizador: o caráter vai além da habilidade.

Neste processo de plantio de igrejas é preciso haver um equilíbrio entre a capacitação e o caráter. Conheço alguns PhDs em teologia que atuam como missionários ao redor do mundo os quais, tenho a impressão, não passaram por uma real e pessoal experiência com Deus.

Por outro lado conheço missionários cheios de Deus e apaixonados por Jesus os quais não tiveram uma oportunidade de preparo que pudesse maximizar seus dons e habilidades, e pagam por vezes um alto preço devido a isto.

Precisamos entender que a caráter do mensageiro não define a comunicação da mensagem mas facilita a sua compreensão.

Após três anos entre os Konkombas, quando a Igreja crescia rapidamente e o Evangelho alcançava lugares remotos perguntei aos líderes locais certa vez sobre a razão, principal, que colaborava para a nossa boa comunicação mencionando três opções:

a) Habilidade de falar no dialeto local e ser entendido com facilidade;
b) Entendimento da cultura, costumes e forma de vida Konkomba;
c) Envolvimento pessoal com a sociedade tribal, sendo aceito e aceitando-a.

Eles então responderam: “O ponto mais importante para nosso povo parar para ouvi-lo é porque você sempre sorri quando nos vê, parando para nos cumprimentar e sempre alegre em nos escutar”. Naquele dia eu escrevi em meu diário: “caráter é mais importante que habilidade”.

William Davis tentando fazer-nos diferenciar entre a ilusão do palco e a realidade da vida compara caráter e reputação quando diz:

“As circunstâncias nas quais você vive determinam sua reputação;
A verdade na qual você crê determina o seu caráter;

Reputação é o que pensam a seu respeito;
Caráter é aquilo que você é;

Reputação é a fotografia;
Caráter é a face;

Reputação fará de você rico ou pobre;
Caráter fará de você feliz ou infeliz;

Reputação é o que os homens dizem a seu respeito no dia do seu funeral;
Caráter é o que os anjos falam de você perante o trono de Deus”.

Perante o grande desafio que ainda temos perante nós ao redor do mundo creio que missiólogos nos mostrarão o caminho mas apenas homens cheios do Espírito Santo alcançarão a terra.

3. A comunicação do Evangelho: modelos e estratégias

Gostaria de gastar algum tempo neste último pontos onde falaremos sobre estratégias para plantio de igrejas. Obviamente há fatores distintos em épocas e contextos diferentes mas nossa proposta hoje será analisar valores bíblicos que marquem grandes e visíveis movimentos de plantio de igrejas no mundo atual. Analisando os escritos de David Garrison, as pesquisas mais recentes da World Mission e o banco de dados da WEC International além de contribuições pessoais de missiólogos como Patrick Johnstone, David Barrett, Bruce Carlton, J. Johnson e David Watson há possivelmente no mundo hoje mais de 200 grandes movimentos de plantio de igrejas em pleno andamento. Alguns deles são:

– Movimento de plantio de igrejas entre os Khmer no Cambodja onde 3.3 milhões de pessoas foram mortas no regime autoritário de Pol Pot’s entre 1975-1979. Vários cristãos também foram mortos e em 1985 não havia mais do que 450 evangélicos entre o povo Khmer. A partir de 1999 o número de evangélicos cresceu de 600 para mais de 60.000 divididos em 700 igrejas. Hoje registram-se mais de 100.000 evangélicos e mais de 800 templos registrados.
– Movimentos de plantio de igrejas na cidade de Kanah na China onde um rápido crescimento evangélico mudou o cenário de 3 igrejas reconhecidas pelo Estado para 57 novas igrejas dentro de dois anos. Em novembro de 1997 contabilizou-se mais de 450 em três províncias e mais de 18.000 pessoas entregaram-se ao Senhor Jesus. Hoje Kanah é uma das mais influentes regiões cristãs na China com mais de 500 igrejas reconhecidas.
– Movimento de plantio de igrejas entr os Kekchi na Guatemala onde este grupo com cerca de 400.000 pessoas vivendo na região de Alta Verapaz foi impactada pelo evangelho.Entre 1993 e 1997 mais de 20.000 pessoas aceitaram ao Senhor Jesus e 245 congregações nasceram. Entre 1997 e 2000 outras 10.000 pessoas aceitaram ao Senhor Jesus e há entre eles hoje mais de 500 igrejas registradas.
– Movimento de plantio de igrejas entre os Kui na Índia, um grupo com 1.7 milhões de habitantes na região de Orissa, estado na costa leste da Índia. Os primeiros convertidos vieram para Cristo em 1914 com missionários ingleses. Nos anos 20 algumas poucas igrejas nasceram. A partir de 1988 mais de 100 igrejas nasceram, especialmente ligadas a missionários da Southern Baptist Mission. Entre 1988 e 1991 as igrejas aumentaram para mais de 200. Entretanto entre 1993 e 1997 houve um crescimento ainda maior e mais de 900 igrejas foram registradas entre os Kui com cerca de 80.000 convertidos.
– Movimento de plantio de igrejas entre os Giriama no Kenya onde, em 1970, 90% eram animistas. O movimento missionário teve inicio em 1974 e em 1981 um rápido e impactante crescimento de igreja tomou conta dos Giriama. Em três anos foram registradas o plantio de 180 igrejas após 5 anos se preparação e treinamento de obreiros leigos. A cada ano, desde 1993, registram-se o nascimento de, em média, 28 novas igrejas entre os Giriama e províncias ao redor.
– Movimento de plantio de igrejas no campo de refugiados na Europa, divisa com a Bulgária. Em 1995 um casal missionário começou ali um trabalho através do filme Jesus. Era um campo de refugiados onde pessoas do oeste europeu misturavam-se com pessoas da China, Sudão, Congo, Camarões e Angola. Em 1998 o casal missionário já contabilizava cerca de 15 pequenas igrejas de reuniões e até 1999 outras 30 novas igrejas nasceram. Hoje são mais de 60 pequenas igrejas, todas autóctones.
– Movimento de plantio de igrejas entre os Mizo na Índia com uma população de 686.000 pessoas. O evangelho chegou entre eles em 1894 através de missionários britânicos. Em 1900 contavam com 120 cristãos. Resultado do avivamento no país de Gales em 1904, um número expressivo de missionários foi enviado para os Mizo na Índia. Somente a partir dos anos 50, entretanto, os resultados passaram a ser mais visíveis e conversões em massa eram notificadas. Hoje 85% de todos os Mizo na Índia consideram-se cristãos.
– Movimento de plantio de igrejas na Etiópia, África, país com mais de 60 milhões de habitantes. Até 1994 não havia mais do que 1% de evangélicos no país. Entre 1994 e 1999 Great Harvest os Souls Mission registrou a conversão de cerca de 10 milhões de pessoas em todo o país. Hoje, 16% da população considera-se cristã. Great Harvest mencionou o estudo de caso de uma congregação a qual, entre 1995 e 1997 cresceu de 2.500 para 25.000 pessoas.

Alguns valores em comum entre estes 8 movimentos de plantio de igrejas.

a) A visão define a rota

Analisando mais de 90% dos processos de plantio de igrejas mais amplos e frutíferos pode-se notar que havia uma visão intencional de desenvolver um forte e impactante movimento de evangelização seja entre um povo, cidade ou país.

O valor aqui, portanto, é a visão pois nenhum campo missionário, ou ministério, é maior que a sua visão.

b) A missiologia estabelece os valores

Os valores que devem fundamentar um processo amplo de plantio de igrejas são diversos mas mencionaremos os principais, presentes nos movimentos citados.

1. Oração. Quando o homem trabalha, o homem trabalha. Quando o homem ora, Deus trabalha.
2. Abundante evangelização. Nenhum tecnologia missionária substitui o poder da comunicação pessoal do evangelho. O evangelho precisa ser abundatemente comunicado em um processo de plantio de igrejas.
3. Fidelidade à Palavra. Há muitas estratégias de movimento de massa que são funcionais entretanto não são bíblicas. David Hesselgrave alerta-nos dizendo que “nem todo novo pensamento é dirigido pelo Espírito. Nem tudo o que é novo é necessariamente bom. A Bíblia é antiga, o Evangelho é antigo e a Grande Comissão é antiga…”. Na verdade ele defende que neste imenso mar de necessidades no mundo não alcançado precisamos entender que “o evangelho dá a direção… pois a Palavra precede a nossa visão”.
4. Liderança local. Todo amplo movimento de plantio de igrejas que tornou-se regionalmente duradouro contou com um forte envolvimento de pessoas locais desde a primeira fase. O investimento em pessoas locais, passando-lhes a visão, paixão e estratégias garantirá um processo de plantio de igrejas que vá além do posto missionário.
5. Liderança leiga. Os mais rápidos processos de plantio de igrejas no mundo contam com forte utilização da força leiga tanto na expansão quanto no amadurecimento das igrejas plantadas.
6. Utilização dos lares e estruturas comunitárias. Quase nenhum amplo movimento de plantio de igrejas poderá contar com uma estruturação paralela de construções para reuniões e cultos. O uso dos lares ou estruturas comunitárias para pequenos encontros viabiliza um rápido movimento de plantio de igrejas.
7. Plantio de igrejas plantadoras de igrejas. A reprodução de igrejas plantadas em uma segunda fase idealisticamente deve ser feita através dos frutos e não da raiz do movimento. Nesta etapa o(s) missionário(s) devem estar já assumindo uma posição de supervisão da visão e encorajamento, e não de linha de frente.

c) O treinamento provê as ferramentas

Os 2.227 PNAs hoje existentes representam a massa étnica mais resistente ao avanço missionário em toda a história do Cristianismo. A resistência está representada por barreiras geográficas, políticas, étnicas, culturais, linguísticas, cosmológicas, religiosas e espirituais. Perante este desafio precisamos, mais do que nunca, de especialistas em distintas áreas. O tripé do preparo missionário transcultural, ao meu ver, deve enfatizar sempre a Missiologia, Antropologia e Linguística.

d) A estratégia desenha o mapa

a) Conhecer o desafio perante nós é boa parte do processo construtivo de plantio de igrejas. Entretanto este conhecimento é apenas a ponta do iceberg. É necessário desenvolver as estratégias que envolvam o plantio e amadurecimento de igrejas, treinamento de líderes, auto-sustentabilidade e reprodução.

Perante um vulto expressivo de estratégias missionários de plantio de igrejas, gostaria de citar algumas as quais julgo expressivas:

a) Mapeamento etno-cultural e geograficamente definido. Saber qual a extensão do desafio
b) Análise cultural e fenomenológica. Entender as vias para a compreensão do evangelho.
c) Comunicação inteligível e comunitária do evangelho.
d) Adoração e vida diária da igreja na própria língua materna e cultura alvo.
e) Rápida incorporação dos novos convertidos à vida da igreja.
f) Consciência de urgência evangelística já transmitida no processo de discipulado.
g) Identificação de líderes locais o mais cedo possível.
h) Treinamento para líderes durante o processo de liderança.
i) Descentralização da autoridade eclesiástica.
j) Ênfase na reprodução.
k) Supervisão contínua quanto ao amadurecimento espiritual.
l) Modelo missionário: Inicie, discipule, reproduza, assista, encoraje e parta.

Conclusão

Uma alma vale mais que o mundo inteiro.

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